coisas do género

#NósTambém: conversa à volta do #metoo

#NósTambém
Uma conversa à volta da mesa sobre o #metoo
Há o tempo que passa sem deixar marca, a espuma dos dias, e depois há os momentos especiais, aqueles que nos alteram coletivamente, relativamente aos quais faz sentido afirmar que houve um antes e há um depois. Um desses marcos teve início em outubro de 2017. Ficou conhecido como o movimento #Metoo. Sobre o seu significado e alcance estrutural pouco mais sabemos verdadeiramente do que isto: ficará para a história. Juntámo-nos à conversa sem ideias feitas, para trocar impressões, refletir em conjunto, ainda a quente, sem grandes preocupações de definitividade e a consciência de que isto é só um começo.

#NósTambém: Uma conversa à volta da mesa sobre o #metoo

Há o tempo que passa sem deixar marca, a espuma dos dias, e depois há os momentos especiais, aqueles que nos alteram coletivamente, relativamente aos quais faz sentido afirmar que houve um antes e há um depois. Um desses marcos teve início em outubro de 2017. Ficou conhecido como o movimento #Metoo. Sobre o seu significado e alcance estrutural pouco mais sabemos verdadeiramente do que isto: ficará para a história. Juntámo-nos à conversa sem ideias feitas, para trocar impressões, refletir em conjunto, ainda a quente, sem grandes preocupações de definitividade e a consciência de que isto é só um começo. Deu nisto:

Luísa: Muitas pessoas, reagindo ao #metoo, sentem dificuldade em definir claramente o que é assédio. Muitas acham que tem necessariamente de envolver um ato sexual – e que só se concretiza se as mulheres “cederem” a esse assédio.

Miguel: É importante saber responder às reações negativas, como a ideia de que “há caça aos bruxos”, ou perguntas sobre “como é que se prova?”. E às vezes essas reações são ambíguas, como quando se diz que “isto assim vai criar vítimas inocentes”. É preciso desmontar isto, dizendo que isso até pode ser verdade, mas contrapondo que há assimetria entre casos verdadeiros e casos falsos; e questionando por que não houve tanta preocupação com as mulheres, vítimas inocentes, antes….

Margarida: É claro que o establishment está sempre em vantagem. Quando a vantagem é posta em causa, as reações são ou de violência ou de gozo…. Mas há outra coisa que me interessa: vários homens que estavam nas nuvens e que começam a aperceber-se de uma realidade em relação à qual até agora estavam completamente alheios. É que as experiências que homens e mulheres têm ao longo da vida e do crescimento são tão diferentes, porque sendo claro que são homens os atores principais do assédio, também há todos os outros que, nunca o tendo feito, passaram completamente ao lado deste fenómeno e esbugalham os olhos quando todas as amigas – sem exceção – começam a contar histórias à mesa do almoço. É todo um mundo “novo” que se lhes abre. E tal como há os que estão preparados para ouvir e ficam assustados com a realidade que lhes passou ao lado, também há aqueles que se assustam porque, não conhecendo a realidade, começam a pôr-se a si próprios em causa, e a questionar sobre se o seu comportamento está abrangido pelas realidades relatadas. E depois há toda uma série de inseguranças que vêm ao de cima: “mas então hoje em dia não se pode fazer nada? Não se pode dirigir uma palavra a uma mulher?”. E eu percebo que seja desconfortável, mas: qual é o mal do desconforto?

Miguel: E isto acontece a toda a hora em várias circunstâncias. As pessoas passam a vida a condicionar-se segundo as regras culturais recebidas….

Margarida: E como as experiências de homens e mulheres são tão diferentes, o diálogo torna-se difícil.

Miguel: Mas mesmo sabendo isso, as pessoas ainda dizem que este campo, do sexo e do género, é “diferente”, porque o naturalizam, e que com estes desenvolvimentos “tudo fica estragado para sempre”….

Margarida: É essa a posição da carta subscrita pela Catherine Deneuve, a ideia de que um homem tem que ser um alarve.

Miguel: Porque muita gente acredita que o sexo e o amor são “naturais”, impulsos incontroláveis, alheios a regras culturais…

Margarida: E é claro que muitas mulheres também têm que pôr em causa um modelo que lhes foi apresentado ao longo da vida.

Miguel: A ideia de que sexo e amor são contracultura, anti-regras ou sem regras.

Margarida: Sim, algo de arrebatador, e que tem de arrebatar fisicamente também.

Luísa: Mas a Deneuve acha que também as mulheres podem, com isto, perder a capacidade de se arrebatarem….

Miguel:  Um exemplo engraçado, porque extremo, para contrariar a questão do sexo como coisa à parte, extra-social ou extra-cultural, é o das práticas sado-masoquistas, em que se espera consenso absoluto, negociação, contrato….

Isabel: Mas na prática mulheres não arriscam a ir sozinhas a esse tipo de atividade, ou vão com homens ou não vão.

Paulo: No #metoo, um aspeto muito interessante tem a ver com a denúncia sistémica, mais do que com os casos individuais. Aliás, os casos com homens, como o do Kevin Spacey, não estão no mesmo plano, porque não há a desigualdade de base entre mulheres e homens e muitas pessoas não encaixam esta questão na questão da desigualdade.

Margarida: O problema é de género e de desconsideração das mulheres por homens. O exemplo típico é o homem que só pede desculpa pelo que disse quando percebe que a mulher está acompanhada por um homem e aí finalmente muda de postura porque faltou ao respeito a um “igual”, até aí era “mato”. Prefiro falar em consideração em vez de respeito, porque há quem confunda ainda “respeito” com “respeitinho”. Perceber que há uma individualidade e uma autonomia a respeitar.

Isabel:  É saber respeitar o espaço da pessoa.

Miguel:  Aqui vale a pena falar da origem do fenómeno: americano e sobretudo em Hollywood. Isso comporta logo uma provocação à área republicana e Trumpiana, que reage a Hollywood com uma lógica anti-elitista. Cá, era interessante perceber a partir de onde poderia surgir.

Margarida: Cá vão surgindo alguns casos, mas à nossa medida.

Isabel: O que acho brilhante neste movimento não é tanto a coisa das estrelas, mas a coisa corriqueira, de tod@s nós, das nossas famílias, filhas, irmãs, etc. É a totalidade das mulheres de todas as áreas. As pessoas do espetáculo trazem o peso mediático com elas mas o fenómeno é geral: eu fiz um #metoo no Facebook e o meu irmão, por exemplo, não fazia ideia. A maior parte dos homens não sabe – da transversalidade, do peso, dos anos. Houve silêncio durante anos demais. Eu lembro-me perfeitamente de ter contado à minha mãe quando era criança e a reação inicial dela foi duvidar. No entanto alguma coisa ela terá feito, porque o homem parou. Mas essa foi a única vez que falei disto até este momento. O peso é esse: é o de todas nós.

Margarida: O problema de se tratar de casos do passado mexe um bocadinho com a ideia da prescrição. Eu tive um caso há muito tempo e não quero fazer o relato porque as pessoas não são as mesmas agora. Se foi há 30 ou 40 anos, não faz sentido ter toda a sua vida posta em causa agora. Nós já não somos as mesmas pessoas.

Isabel:  Mas essa é uma escolha que cada pessoa tem que fazer, de acordo com o peso que essa experiência tem em si. E se a pessoa acha que vale a pena, é irrelevante que tenha sido há 30 ou 40 anos.

Luísa: E se tivesse ultrapassado isso tudo, ele próprio quereria falar disso com a pessoa em causa, admitindo o erro e pedindo desculpa.

Miguel:  Mas o que eu dizia é que em Portugal as referências (nos jornais, nas televisões) são sobretudo a Hollywood e não se sente o tal impacto tão generalizado.

Margarida:  Mas há alguns textos – como o de Lobo Antunes – que não teriam acontecido e que agora acontecem.

Isabel: Há ainda Miguel Esteves Cardoso a mudar de ideias.

Margarida: Já houve alguns homens a contar histórias de assédio quando eram crianças. E até foram mais visíveis do que as histórias de mulheres sobre homens.

Isabel: É uma continuação do machismo dominante: se as vítimas são mulheres, não interessa. É como a história da pessoa que mordeu o cão e do cão que mordeu a pessoa, o que é notícia e o que não é notícia.

Margarida: Bom, mas no caso de Lobo Antunes também tem a ver com o facto de ele escrever maravilhosamente.

Paulo:  Mas, mesmo voltando aos casos de Hollywood, há assimetrias: o caso Kevin Spacey teve consequências imediatas; os outros não tiveram consequências imediatas, teve que haver várias denúncias até serem considerados relevantes, quando precisamente aí o que está a ser denunciado não são sequer só aqueles casos individuais mas todo o sistema, é uma denúncia coletiva. E em relação ao sistema em si, não há presunção de inocência. Pelo contrário, há confirmação de uma assimetria,  que depois se estende para todo o resto.

Isabel:  Mas é precisamente por isso, é a denúncia coletiva que o poder não quer.

Miguel: Mas como é que convences mais pessoas a participar? Desde logo, mais mulheres? E também evitar o backlash? O discurso da inocência e da prova da culpa é importante.

Margarida: O importante é que as coisas mudem para que o que está a acontecer agora seja imediatamente denunciado e as mulheres e raparigas não tenham dúvidas e se sintam apoiadas e sintam que podem denunciar. Isso para mim é o efeito principal, mais do que falar do passado.

Luísa: Mas para que se sintam seguras, continuam a precisar de lidar com a questão da presunção de inocência.

Miguel: O problema aqui é o silêncio e a quebra do silêncio para o empoderamento. Onde a coisa começa a ficar cinzenta é quanto ao que fazes às vítimas – e também às vítimas inocentes do lado dos acusados. E perceber que esta coisa vai para além da justiça e tem a ver com uma organização social errada. E como é que convences as pessoas que a causa é de outro tipo do que uma questão de justiça – porque aí a presunção de inocência sobrepõe-se logo. É como a discussão sobre corrupção e sobre presunção de inocência: o problema da corrupção existe mas tem que haver presunção de inocência sobre quem é acusado de corrupção. A desigualdade de género não pode ser vista no plano da justiça no sentido penal do termo.

Margarida: Mas há a dimensão penal e da necessária proteção das pessoas. E há dois potenciais tipos de vítimas para além do aspeto penal: as vítimas da mentira, porque também pode haver um efeito em termos de histórias falsas. Os dados do passado dizem que as denúncias falsas são em número muito reduzido, porque era tão penoso fazer a denúncia antes do #metoo. Mas a partir do momento em que, e bem, a sociedade torna menos penoso avançar, também em abstrato é possível que aumente o número de histórias inventadas. Mas há o outro tipo de vítimas, de histórias verdadeiras mas que não constituem assédio.

Miguel: Muito provavelmente mais de 90% das vítimas de assédio serão mulheres. O assédio não é igual para homens e mulheres porque no caso das mulheres faz sistema com várias coisas, por exemplo a suspeita de que haja mentira, porque a sua palavra não vale tanto. E quanto à presunção de inocência, não se levantou a questão do “será que estas mulheres são assediadas?”, sabendo nós que sistemicamente é assim que acontece.

Margarida: Claro, e o #metoo é fundamental e não pode parar. Mas é importante ao mesmo tempo em termos penais (e é um problema que existe em geral) proteger quem seja inocente.

Miguel: E depende das áreas. Nas relações de trabalho há maneiras de tentar garantir que não aconteça, desde educação a vigilância. E isso pode resultar em políticas.

Isabel: Essa acaba por ser a parte mais fácil.

Luísa: Mas também é mais difícil reagir por causa da relação de poder instituída, sobretudo em pequenas empresas familiares.

Margarida: Mas quando as coisas não são ditas pela frente, muitas vezes são ditas pelas costas. Havia casos de pessoas que se queixavam perante pares e não perante estruturas. Sem uma tomada de posição formal, não havendo discussão com quem é acusado, o futuro da pessoa acusada fica posto em causa sem confronto e sem averiguação.

Isabel: Mas apesar de tudo, um ambiente de trabalho é um ambiente regulado, há legislação que protege.

Luísa: Mas foi onde vi mais casos declarados de assédio puro.

Isabel: Certo, há muitos casos sem denúncia, eu já assisti a n cenas. Os instrumentos estão lá, mas não são usados. Tipicamente o assédio acontece com muitas mulheres. Apesar de tudo, não se avança porque não avançou o resto: a rua, o espaço público, as escolas. É preciso capacitar as mulheres e as raparigas a não entrarem neste jogo do calar e falar por baixo. É o exemplo do trânsito: os homens a dar ordens com a expectativa de que as mulheres obedeçam. E somos treinadas para isto permanentemente na rua. E é isto que temos de mudar.

Paulo: Este momento tem potencial, do ponto de vista pedagógico, para mudar as atitudes de mulheres e homens.

Isabel: É mais fácil mudar as mulheres dizendo “não tens que estar num ponto mais baixo, sobe” do que dizer a um rapaz “vais perder o privilégio, és igual”.

Paulo: Mas tens que passar pelo ponto inicial de explicar aos rapazes que têm um privilégio.

Miguel: É como na questão racial, o automatismo é sempre não aceitar e responder que não se tem o privilégio porque se pensa noutros privilégios que não se tem, eventualmente.

Margarida: E depois há o problema de a comunicação social ser dominada por pessoas com estatuto, que são precisamente homens mais velhos que não refletem o que a sociedade de forma mais abrangente pensa. Claro que a ideia do privilégio não existe a não ser que as pessoas reflitam sobre o assunto. Acho que a mensagem tem que ser mais simples, para passar.

Luísa: Mas enquanto não se mostrar que o privilégio é a pedra na engrenagem, é extremamente difícil prosseguir a igualdade.

Isabel: Há projetos como o “Mulher Não Entra” a contribuir para a compreensão do problema e do privilégio.

Margarida: Sim, mas foi na passagem de ano para 2016 que um jornal publicou artigos sobre como seria o novo ano com a fotografia (a autoria) de 10… homens; este ano já não fizeram a asneira – mas não deram mais voz às mulheres, só não puseram as fotos. Por um lado, a mensagem passa, por outro, não largam o osso. É como nas quotas para as empresas, alargar os conselhos de administração para não tirar os lugares a homens.

Miguel: Mas estas coisas reproduzem-se na sala de aula, no recreio, com miúdas e miúdos – o apalpão etc. E não acredito que isso seja controlado ou criticado por vigilantes etc.

Margarida: É fundamental pôr o privilégio a nu. Mas quando falo com os meus filhos, tenho fortes reticências em fazer essa conversa do privilégio, prefiro falar disso no passado.

Paulo: E explicar o peso do passado hoje, que dá instrumentos.

Margarida: Mas custar-me-ia falar do privilégio no agora, quero mudar o mundo antes que isso aconteça (riso).

Isabel: As raparigas já sabem.

Margarida: Eu já era adulta quanto tive consciência da desigualdade pela primeira vez. E pergunto: e se tivesse a noção toda?…

Miguel: Tiveste outros privilégios também.

Margarida: Sempre senti o mesmo incentivo nos sucessos escolares e desportivos.

Miguel: Mas a desigualdade de género é muito plástica. O sucesso escolar não tem que ser a medida, até porque o privilégio verdadeiro não vem necessariamente daí. O que sobra no fim da desigualdade são mesmo estas coisas de que estamos a falar e que são o núcelo duro do problema. É que, ao contrário de uma rapariga, um rapaz safa-se de qualquer maneira, a perceção pode ser essa.

Isabel: Mas esse sistema a longo prazo é negativo para os rapazes também. O conhecimento acaba por ser poder, dominado por mulheres.

Miguel: Mas se os homens conseguem pela força, pelos contactos, pela manha…

Paulo: E aprender a ser rapaz também é aprender a ser livre de regras, não é fazer as coisas bem. Falta aprender que as mulheres também fazem regras.

Miguel: E a corrupção e o compadrio são muito genderizados.

Paulo: Mas a dificuldade também passa por isto – “Então mas não sou eu que faço as regras? Agora são outras pessoas, ainda por cima mulheres?”

Margarida: Eu quando vivi em Inglaterra achava que os problemas eram muito maiores, mas se calhar apenas porque eram discutidos. Ação afirmativa para haver mais mulheres – de repente vejo-me timoneira de um barco com 8 homens e só indiretamente ouvi dizer que havia desconforto com isso. E enquanto professora, claro que numa posição de autoridade, não tive problemas com alunos homens – e suponho que há 20 anos não fosse assim.

Isabel: Mas é a realidade deles, desde sempre que as professoras eram mulheres. E em ambientes controlados, é muito mais fácil de gerir isso. Na rua não.

Margarida: Pronto, mas isto para dizer “eles até são capazes!” (risos)

Isabel: Isto volta tudo a ter a ver com poder, numa sala de aula o poder é teu. Se arriscam, há uma consequência. Na rua não é assim.

Luísa: E na sala de aula é preciso fazer a cadeira. Mesmo assim, no primeiro ciclo, apesar de 80 ou 90 por cento serem mulheres, ainda é “o professor”. Na universidade, se é preciso escolher com quem se faz o doutoramento, olha-se para as portas que pessoa pode abrir – e aí entram os contactos como factor.

Miguel: E o género é sempre isso: a masculinidade como capital que pode ser apropriado por outras pessoas que não homens. Esta coisa do #metoo e da rua, relações interpessoais etc., tudo o que tem a ver com a apropriação do corpo, do assédio, o arco todo que vai da sexualidade à sedução, essa é que é a parte complicada. Tem de haver um trabalho cultural muito mais profundo, porque acontece quase sempre entre duas pessoas sem a presença de terceiros. Há todo um código cultural sobre o sexo e o amor como relações de poder, no sentido erótico do termo, a ideia de que tem de haver papéis diferenciados para que a coisa resulte…. E se não se entra no jogo, há a perceção de que se é frígido, etc. Falta um discurso sobre o sexo que vá para além disto também. Se os rapazes não têm noção e as raparigas se envergonham, está tudo num jogo viciado, num logro completo sobre o que é a relação sexualizada.

Margarida: Mas não é toda a gente assim. Há muitos homens que se portam como pessoas decentes – e vem a conversa do “já não sei o que se pode fazer”. A minha resposta é “se honestamente te perguntas se está bem o que estás a fazer, é porque já deves estar a fazer a coisa bem”. Seria a lógica de se comportar perante as mulheres como perante seres humanos.

Luísa: Poderá estar a dar os primeiros passos, sim, mas também pode achar que o que faz é tão inócuo que não se apercebe. Se o que ele sente está tão bem, pode não ver que está errado.

Margarida: Mas eu estou a falar daquele homem que não acha que é inócuo, quer saber quais são os novos limites. A questão é que não são novos, já lá estavam, havia era menos consciência: não tratar as mulheres como mato. Se tiverem a mesma consideração que têm com homens…

Paulo: Mas aí entram as dinâmicas do sexo, muito marcadas por poder – e como se dá a volta para mudar essa lógica, para ter as mulheres como sujeitos em pé de igualdade. Temos que ir buscar o sexo para a conversa.

Miguel: E tens imensas mulheres que constroem a sua subjetividade sexual assim mesmo e isso é das coisas mais profundas, que não mudas em tempo de vida.
A questão é: num país pequeno, como espalhas a mensagem e a mudança? Desde logo, não vais ter a elite a liderar – e não vai passar pelo exemplo de uma atriz e o impacto que isso teria… Se houvesse uma plataforma de recolha de milhares de histórias…

Isabel: Mas é isso que faz o #metoo.

Miguel: Mas o hashtag não chega, as redes sociais fazem menos do que se pensa. Bastava um site onde pessoas fossem pôr histórias, sem obrigar à vida em rede – porque muitas pessoas não a têm.

Margarida: Bom, há casos – um recente era um homem de 60 e tal anos que tinha dito umas coisas horríveis a uma menina de 9 anos e que foi ilibado com o argumento de que a frase que a lei usava era “mantendo conversa” e como ela fugiu não houve conversa. Há muitos casos na jurisprudência e já estão online…

Isabel: Mas se calhar podíamos fazer isso com a jurisprudência, se é fácil chegar aos casos…

Miguel: Eu estive a ler uma tese de sociologia que era um apanhado de sentenças sobre violência contra mulheres em termos de análise de conteúdos. Mas eu acho que campanhas é muito importante, algum jornal podia fazer isso.

Margarida: Salvo erro, a Visão fez uma exposição com o “Aqui morreu uma mulher”.

Isabel: Com a UMAR.

Miguel: Imagina fazeres isso com as deputadas no Parlamento, recolheres as histórias…

Paulo: Estou a pensar em duas coisas: uma é a sexofobia, porque há quem diga que a campanha tem por trás uma lógica de sexofobia. Eu acho que é ao contrário: o assédio é que depende da sexofobia, porque também são as atitudes face ao sexo que são ensinadas que proporcionam de alguma maneira uma lógica de abuso e de assédio.

Margarida: E é por isso que as jovens são alvos sistemáticos.

Paulo: E a sexofobia não é ensinada da mesma maneira a mulheres e homens. E isso também baralha, voltando aos homens, em termos de aprendizagem. Estas perplexidades também são isso: “ensinaram-me que face ao sexo isto devia ser assim; vou agora mudar as performances de uma vida?” E o difícil aqui é uma campanha para homens. Isso numa lógica de problematizar a masculinidade.

Miguel: Mas há imensos homens com o desejo de não serem como “são”, e de terem as coisas alegadamente “femininas”. Não têm é necessariamente uma perspetiva crítica sobre isso.

Margarida: E isto liga com a violência no namoro, porque os dados são assustadores.

Paulo: O desafio também é esse, como é que se pode pôr também homens a explicar o que mudam, o que mudaram, como mudaram. Ter um bocadinho de histórias que ajudem a recriar.

Margarida: Dar exemplos, modelos.

Paulo: E pessoas que podem passar por várias fases, aprender mais sobre si próprios, fazer um percurso de crítica.

Isabel: Como naquele programa com o Miguel Esteves Cardoso a explicar ao Bruno Nogueira que mudou de ideias quanto à linguagem inclusiva em termos de género.

Luísa: E o Bruno Nogueira mudou de assunto rapidamente. E o MEC desmonta o ataque ao politicamente correto, explicando que era o que antigamente se chamava “boa educação”.

Isabel: Mas tem graça, acreditava naquilo de tal forma que escreveu um texto sobre o assunto.

Margarida: Ou seja, leu respostas, ouviu reações, e adaptou-se. Ao contrário, por exemplo, do RAP.

Miguel: Em suma, precisamos de propostas de coisas inovadoras e adequadas ao nosso contexto. Seria bom se fosse participativo, que no site houvesse reações ou sugestões sobre o que fazer e por onde ir.

 

Junte aos nossos os seus pensamentos sobre o #metoo – diga, dispare, opine, questione… 

 

 

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